quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Eu chamo-lhe a temática da desistência



"Se estar certo é munição, de que serve ter razão?"



"E quem não é do bem então chega chega sai sai sai"



"Eu convido todo mundo para a minha festa
Só não convido você porque você não presta"

terça-feira, 25 de julho de 2017

Contra quem está contra o Gentil Martins - 5

Uma pausa no comentário ao documentário. O que me sobressai disto tudo é a aniquilação de qualquer possibilidade de uma cultura de debate (aquela pela qual suspirava uns posts atrás num debate Eagleton vs. Scruton) sobre o assunto da homossexualidade. Isto é uma coisa um tanto singular, pelo menos quando comparado com a discussão do aborto ou da eutanásia, ou até da adopção por casais do mesmo sexo, em que alguns argumentos foram esgrimidos. Quanto à homossexualidade em si mesma, os defensores do movimento LGBTQ habituaram-se a reagir àqueles que normalmente são chamados trogloditas, como se classificá-los dessa maneira fosse uma forma de argumentação. Aliás, "classificar-nos", na verdade, porque sem dúvida que me encaixo no perfil habitualmente traçado do "troglodita homofóbico".
Mas neste episódio quiseram aplicar a mesma receita a um dos médicos mais conceituados do país (e ao mesmo tempo, num taticismo revelador, defender as experiências parentais de Cristiano Ronaldo), e continuar a dispensar os "argumentos" pelos quais suspiro à tanto tempo, num assunto que, segundo a narrativa gay, tem tanto de biológico como de objectivo, logo sujeito a arumentação científica. Felizmente, esta atitude trumpiana não passou despercebida e foi castigada com atenção mediática prolongada. Só por isso, as palavras do médico já valeram a pena.

Contra quem está contra o Gentil Martins - 4

Quanto ao que aprendi de raíz, uma coisa totalmente nova é que poderá haver uma diferença morfológica no cérebro de um homossexual, e isto talvez seja o melhor argumento a favor da narrativa gay que já ouvi. Esperando não entrar em incorrecções técnicas, mas explicavam que normalmente os homens têm um cérebro mais assimétrico, e as mulheres um cérebro mais simétrico. Mas que em gays, o cérebro será mais simétrico e em lésbicas mais assimétrico. E que esta morfologia do cébrebro não é um desenvolvimento posterior, mas uma condição de nascença. Se fosse gay, acho que agarrava-me a isto para me legitimar e responder às afirmações do médico Gentil Martins.
Claro que estes dados estão associados a um estudo estatístico que os considera estatisticamente relevantes. Seria a amostra suficientemente abrangente?...
Não disseram, se havia casos de pessoas com relacionamentos heterossexuais “bem sucedidos”, chamemos-lhe assim, que encaixassem no perfil de cérebro de um homossexual. Acho que isso seria importante. Também não arriscaram que se esta for uma condição de nascença, mais valia fazer uma ressonância magnética a todas as crianças para lhes poupar as angústias futuras de descobrir a sua orientação sexual durante a adolescência, com todos os riscos e chatices que daí decorrem.

Contra quem está contra o Gentil Martins - 3

No tal programa do Odisseia aprendi mesmo muitas coisas. Mas antes de mais, houve também algumas confirmações. Por exemplo, uma afirmação pela qual já me olharam como a um troll (mas é que eu tinha lido um artigo sério sobre o assunto), que não existe homossexualidade em mais nenhuma espécie do mundo natural. Em quase todas as espécies existem práticas sexuais com indivíduos do mesmo sexo, mas em nenhuma há uma preferência. É um fenómeno peculiarmente humano. Mas claro, há sempre uma excepção, à qual alguns cientistas se agarraram com unhas e dentes, e falaram de uma espécie específica de carneiros, em que há uns 10% de indivíduos que poderiam ser comparáveis ao que entre humanos designamos por gays. Sim, gays, porque isto só acontece com indivíduos do sexo masculino.
Aliás isto tem um outro paralelo com humanos. Ao que parece, enquanto que um homem gay, uma vez assumindo a sua homossexualidade, raramente volta atrás, e tem uma resposta coerente com isso ao estímulo sexual, já no caso das mulheres, há muitos tons de cinzento. Não só há muitas mulheres que têm a espaços relações homossexuais e heterossexuais, como mulheres homo e heterossexuais têm respostas não padronizáveis a estímulos sexuais homo ou heterossexuais. É confuso e deixa confundidos os estudiosos do assunto, ao que parece. Para já, será mais exacto dizer que TODAS as mulheres são bissexuais, do que ALGUMAS sejam lésbicas. Foi o que me pareceu ficar implícito. Isto já tinha saído numa notícias em jornais portugueses há uns dois anos, e até teve direito a uns links nas redes sociais, mas duvido que tenha ficado como parte do conhecimento popular sobre a homossexualidade.

Contra quem está contra o Gentil Martins - 2

Ainda sobre esta polémica do Gentil Martins, suponho que o recomendável seja, como em tudo, as pessoas informarem-se um pouco antes de começar a condenar (essa atitude tão pouco científica). Pessoalmente, vi no mês passado no Odisseia o programa «Gay ou Hetero: é possível escolher?», e aprendi uma catrefada de coisas, o que só me convence de que a favor ou contra, o discurso sobre o tópico homossexualidade é quase exclusivamente estereotipado e preconceituoso, para além de politizado. E diga-se de passagem, praticamente inexistente na sua vertente científica, muitas vezes, por interesse da própria comunidade LGBTQ.
Chega a ser cómico que de um assunto do qual se espera uma uniformidade de opiniões (“mainstream científico”, dizia há minutos o Aurélio Gomes no programa Inferno, do Canal Q), em que facilmente se diz “toda a gente sabe que”, a linha do programa do Odisseia, abertamente pro-gay, reconheça que existam duas escolas de defesa da cientificidade da homossexualidade: a americana mais orientada para a genética e para as ciências objectivas, e outra mais europeia e inclinada para as ciências sociais. É nela que muitos depositam a sua esperança de virem a ser explicados e legitimados cientificamente, e isto é evidente tanto pela quantidade de voluntários para as experiências científicas, como pelos que doam os seus orgãos após a morte para esta área de pesquisa.
No entanto, quanto ao que é a homossexualidade, do ponto de vista da ciência, o melhor resposta que se tem até ao momento, é que é um assunto complexo e que ainda tem muito caminho pela frente, mais coisa menos coisa... Pelo que condenar o Gentil Martins é para já um salto de fé, coisa impossível do ponto de vista da ciência, que é o campo em que esta discussão se deve situar, quando o que está em causa são as afirmações de um médico enquanto médico.

Contra quem está contra o Gentil Martins - 1

Tenho tentado perceber a indignação das pessoas sobre as declarações do Gentil Martins, e lamento, mas discordo da vossa indignação. As afirmações do médico são legítimas porque o assunto da homossexualidade é, nas mais variadas ciências, um assunto em aberto, e como tal, não faz sentido fazer uma censura cabal, como se existisse uma ortodoxia científica, sobre algo que não se sabe ao certo o que é. Não é comparável a outros temas que reunam muito consenso apesar de vozes críticas, como por exemplo, o aquecimento global. Poderá no, entanto, ascender a essa categoria se alguém propuser uma explicação científica da homossexualidade. Aí, poderão condenar sem reservas o Gentil Martins pelo que disse. Até lá, esforcem-se e apresentem argumentos que o contestem. Dizer que “a homossexualidade já não faz parte da lista de doenças psicológicas de mil novecentos e sessenta e tal” não chega. A gente quer uma explicação pela positiva; queremos os “porquês”, se possível do ponto de vista da divulgação aos leigos nas ciências, como se faz com todos os seus ramos em que há certezas firmes, da biologia à química, da física à matemática.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Travessia pelo deserto

Se Deus impôs aos israelitas uma longa e castigadora peregrinação de quarenta anos pelo deserto, parece também que não faz parte dos Seus planos deixar-nos a rir destas pessoas, tornando a própria leitura sobre esta fase numa espécie de travessia pelo deserto.
Com hiatos absurdamente grandes, se não mesmo preocupantes, vou deixando que a minha leitura da Bíblia seja orientada pelos livros A Sós Com Deus. E recentemente, calhou o livro de Números, que se tem revelado a travessia no deserto de que aqui falo, mesmo que, como qualquer deserto, tenha os seus oásis, como por exemplo, o episódio da burra de Balaão.

No geral, o livro de Números tem sido para mim uma seca que faz jus ao nome. Tem mesmo números, aos montes. E não só disso, mas também genealogias, que não são nada divertidas, e custa até a perceber o que poderão ter de edificante na vida de uma pessoa. Ontem então estava complicado, os capítulos 28 e 29. Uma lista de ingredientes para os holocaustos a celebrar nas várias ocasiões possíveis. Decidi por fim respeitar o género literário em que este texto se insere - o género lista de compras - para perceber o que tinha a dizer ao leitor não estudioso como eu. E assim sendo, transcrevi a lista como se de compras e recados se tratassem, e finalmente fez-se alguma luz.

Tornou-se mais fácil perceber coisas básicas, como por exemplo, que muitas das quantidades de cordeiros, carneiros e bezerros, repetem-se (embora haja algumas cerimónias que exijam um bode expiatório. Também torna-se mais evidente com são as unidades de medida. Um "efa" é para a farinha, que quererá dizer que é uma unidade de peso ou de volume, e o "hin" é para os líquidos como vinho e azeite, logo, seguramente uma unidade de volume.

Todos os sacrifícios parecem ser compostos por um animal, pelo seu acompanhamento - farinha com azeite - e por bebida - vinho - a que se dá o nome de "libação". Quero com isto dizer que representam uma refeição completa. Se Deus se tivesse revelado no Velho Testamento, sei lá, aos franceses, tudo seria bem mais complicado, com entradas, aperitivos, sobremesa, limpa-palato. Assim é mais simples.

Acho engraçado as proporções definidas para a farinha com azeite e para o vinho consoante o animal a sacrificar - aparentemente proporcionais ao porte do animal - extremamente fáceis de memorizar e intuitivas aquando da utilização. 3/10, 2/10, 1/10 para a farinha com azeite; 1/2, 1/3, 1/4 para o vinho. Esta é uma abordagem que tento sempre ter no trabalho, quando há números a definir, que sejam proporcionais e bem comportados para serem mais fáceis de usar, sobretudo quando a pressão sobe.

Uma coisa que parece ser importante é que há um "sacrifício perpétuo" um culto a ser prestado todos os dias, e os restantes, que são periódicos, como os da "luas novas", ou que aludem a momentos específicos, como a Páscoa com a fuga do Egipto, ou o das Primícias, que suponho que tenha a ver com o agradecimento pelas colheitas. E acho que aqui há algo a reter para além do conhecimento numérico deste texto, na medida em que o nosso culto a Deus deve ser contínuo e diário (coisa para a qual o A Sós com Deus será um auxiliar), mas que deve acumular com o agradecimento por eventos específicos (o que implica primeiramente reconhecer que eles aconteceram e assinalá-los).

É complicado. Parti tanta pedra por um texto da Bíblia porque estou de férias. Noutra altura, teria passado por cima dele sem ter retido nada, como se não o tivesse lido. Nisto, conhecimento prévio ajuda muito, e talvez tivesse poupado algum deste trabalho, e permitido ir mais directamente às conclusões que podemos tirar deste texto. Entretanto, o deserto não terminou, e esperam-me mais uns dias de travessia.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Já que o canal 2 está a passar animação japonesa ao fim-de-semana


Nos filmes do Miyazaki, bem como nos do Isao Takahata, há quase sempre algum momento em que uma tarefa manual é representada com detalhe. Não só isso, mas em quase todos desempenhar bem um tarefa manual faz o enredo andar para a frente. Falo de coisas como limpar, cozinhar, ou até fazer contas de matemática à mão, executadas de uma forma tão natural e optimizada que parecem feitas por um robot programado. Não poucas
vezes, o valor do desenrascanço tambem é louvado.
Embora um desenho animado seja inevitavelmente fantasioso na forma não-fotográfica como representa a realidade, não quer dizer que o seja na forma como a descreve, nas suas dinâmicas, possibilidades, intervenientes. No caso destes criadores japoneses, creio mesmo que nos despertam para a realidade como ela é, nem que para isso recorram aos deuses da tradição religiosa japonesa para personangens. Eles representam algo de muito real.
Dito isto, por vezes é triste que o adepto típico destes filmes seja avesso a este lado tão importante do que estão a ver, reduzindo-os a uma experiência estética de algo completamente diferente, mas só isso, e que pouca coisa trazem de volta à sua vida. Um pouco como o fã típico do Senhor dos Anéis, que pode reduzir a sua riqueza a quase nada se se limita a coleccionar nomes e lugares totalmente diferentes da realidade do dia-a-dia.
"Alienação" é a palavra que normalmente é invocada nestes momentos. Contra isso, suponho que o remédio seja cozinhar a própria comida e limpar a própria casa. E se os houver à disposição, aprendê-lo com velhotes. Acho que isso faria o velho Miyazaki feliz.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Ler os Irmãos Karamázov é fácil e difícil

Ler Os Irmãos Karaázov é fácil e difícil. A história não é complicada, mas os seus personagens são-no. A acção desenrola-se não em grandes eventos, mas sobretudo, como num filme do Tarantino, em conversas, muitas vezes a dois, muitas vezes longas, muitas vezes contraditórias. Uma qualquer conversa do dia-a-dia é fácil de acompanhar, mas não quer dizer que mais tarde nos lembremos dela como uma peça chave de uma história. Mas neste livro, as peças chave são essas conversas, que podem parecer que não desenvolvem muito a história, mas aumentam sempre a nossa compreensão das personagens. O que interessa ali são as pessoas, logo as pessoas, de entre as quais, pessoas nem por isso excepcionais ou brilhantes, mas pessoas perfeitamente normais, nas quais posso encontrar semelhanças com uma série de conhecidos meus.
Na prática, não o estudando, mais do que ler, este é um livro com o qual se convive. A sério. São dois volumes espessos. Conto manter um relacionamento mais genuíno e duradouro com estas páginas de papel do que com muitas pessoas de carne e osso.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Conversar em público



Se não for visto pelo que é dito, pelo menos que seja visto para aprender como se conversa em público. Sem interromper, sem desviar do assunto sem aviso, respondendo ao que o interlocutor diz e não a estereótipos, conhecendo previamente as suas posições, identificando os pontos em que se concorda e se discorda, não anulando a possibilidade de convergência para efeitos táticos. Disto nunca vi em Portugal. Não sei se esta cultura de debate é um exclusivo britânico. Se for, é uma tristeza se se tornar mais distante ou inacessível aos restantes países europeus após o Brexit.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Não maltratem as certezas




Eis um ramo de pensamento que a mim me amedronta: que a certeza começa guerras, que acabamos por impor aos outros aquilo que acreditamos ser verdade.
Eu gostei muito desta entrevista em comparação com a qual, quase tudo o que se ouve neste segmento do programa parece um monte de banalidades papagaiadas sem se pensar muito nisso, sem custar muito a quem o diz.
Mas retive este momento, porque é uma afirmação forte, que acredito que represente o pensamento mais genuíno e sincero de muitas pessoas.
Uma das coisas que mais me inquietou durante o Silêncio foi precisamente que no seu retrato dos cristãos, em nenhum momento houve uma tentativa de organizar uma rebelião, ou sequer uma fuga do país. Não sei se isto corresponde à verdade histórica, mas vou supor que sim. Temos os cristãos, dogmáticos nas suas crenças, a morrerem sem qualquer hipótese de sequer exprimir a sua fé - as suas certezas - e os seus perseguidores, budistas e como tal, relativistas em vários aspectos, a imporem a sua regra pelo uso da força. Não que tivessem uma verdade central a impor, mas apenas pela possibilidade de serem expostos a uma ideia considerada "perigosa" - perigosamente contrária às suas. Esta "não-certeza" violenta seria algo sobre a qual perguntaria a opinião de Andrew Garfield, porque parece virar de pernas para o ar a sua afirmação.


Por outro lado, nesta fase em que tudo justifica a eleição de Trump - e quase todas as justificações me parecem acertadas - também perguntaria se o momento que vivemos não foi produzido por um vazio criado por uma série de certezas que foram derrubadas ou pelo menos desgastadas sem que se tenham encontrado substitutos à altura. Será que certezas testadas, fortes e respeitadas, não nos teriam impedido de cair no meio deste vendaval? E será que a nossa possível sobrevivência a este tempo não será conseguida à custar de encontrar as certezas que ainda restam, algumas das quais que já julgávamos perdidas?
Não saber relacionar com a certeza não devia implicar demonizar a certeza. Esta parece-me sim uma das ideias mais perigosas de entre a oferta disponível.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Uma biologia da solidão

Eu sou pessoa de trautear. Esteja ou não a fazê-lo, trago quase sempre alguma música na cabeça, e não exprimi-lo trauteando, assobiando, tamborilando num objecto qualquer - para não perturbar os outros - é um acto de contenção. Quando estou no trabalho e por alguma razão me apanho sozinho na sala, imediatamente começo a fazer barulhos assim que a última pessoa a sair fecha a porta.
Como estamos de costas uns para os outros, estou constantemente habilitado a passar pelo embaraço de, sei lá, desatar a cantar despreocupadamente uma das foleirices da minha banda sonora mental, naquela sala consagrada ao fabrico de electrodos, quando afinal ainda estava um colega a um canto que eu não tinha reparado.
Nunca aconteceu. De tempos a tempos, penso nisto. Que ao longo de tantos anos, tal coisa nunca aconteceu mesmo quando seria tão provável de acontecer. É como se um sentido pouco falível detectasse um vibração específica presente no ar e informasse inconscientemente "estás sozinho e passas despercebido, faz como bem entenderes". Como se fosse possível propor uma biologia da solidão, na qual o corpo reagisse ao estímulo de estar sozinho de uma maneira própria, que de outro modo não seria possível. Da mesma maneira que certas aves comportam-se de maneira auto-destrutiva no cativeiro, ou os seres humanos aguentam mais tempo sem respirar se estiverem debaixo de água. Talvez este mecanismo pudesse ser accionado de formas artificiais. Talvez servisse até para explicar que pessoas mais desinibidas se vêem mais sozinhas no mundo, sem nunca darem por isso.