terça-feira, 11 de julho de 2017

Travessia pelo deserto

Se Deus impôs aos israelitas uma longa e castigadora peregrinação de quarenta anos pelo deserto, parece também que não faz parte dos Seus planos deixar-nos a rir destas pessoas, tornando a própria leitura sobre esta fase numa espécie de travessia pelo deserto.
Com hiatos absurdamente grandes, se não mesmo preocupantes, vou deixando que a minha leitura da Bíblia seja orientada pelos livros A Sós Com Deus. E recentemente, calhou o livro de Números, que se tem revelado a travessia no deserto de que aqui falo, mesmo que, como qualquer deserto, tenha os seus oásis, como por exemplo, o episódio da burra de Balaão.

No geral, o livro de Números tem sido para mim uma seca que faz jus ao nome. Tem mesmo números, aos montes. E não só disso, mas também genealogias, que não são nada divertidas, e custa até a perceber o que poderão ter de edificante na vida de uma pessoa. Ontem então estava complicado, os capítulos 28 e 29. Uma lista de ingredientes para os holocaustos a celebrar nas várias ocasiões possíveis. Decidi por fim respeitar o género literário em que este texto se insere - o género lista de compras - para perceber o que tinha a dizer ao leitor não estudioso como eu. E assim sendo, transcrevi a lista como se de compras e recados se tratassem, e finalmente fez-se alguma luz.

Tornou-se mais fácil perceber coisas básicas, como por exemplo, que muitas das quantidades de cordeiros, carneiros e bezerros, repetem-se (embora haja algumas cerimónias que exijam um bode expiatório. Também torna-se mais evidente com são as unidades de medida. Um "efa" é para a farinha, que quererá dizer que é uma unidade de peso ou de volume, e o "hin" é para os líquidos como vinho e azeite, logo, seguramente uma unidade de volume.

Todos os sacrifícios parecem ser compostos por um animal, pelo seu acompanhamento - farinha com azeite - e por bebida - vinho - a que se dá o nome de "libação". Quero com isto dizer que representam uma refeição completa. Se Deus se tivesse revelado no Velho Testamento, sei lá, aos franceses, tudo seria bem mais complicado, com entradas, aperitivos, sobremesa, limpa-palato. Assim é mais simples.

Acho engraçado as proporções definidas para a farinha com azeite e para o vinho consoante o animal a sacrificar - aparentemente proporcionais ao porte do animal - extremamente fáceis de memorizar e intuitivas aquando da utilização. 3/10, 2/10, 1/10 para a farinha com azeite; 1/2, 1/3, 1/4 para o vinho. Esta é uma abordagem que tento sempre ter no trabalho, quando há números a definir, que sejam proporcionais e bem comportados para serem mais fáceis de usar, sobretudo quando a pressão sobe.

Uma coisa que parece ser importante é que há um "sacrifício perpétuo" um culto a ser prestado todos os dias, e os restantes, que são periódicos, como os da "luas novas", ou que aludem a momentos específicos, como a Páscoa com a fuga do Egipto, ou o das Primícias, que suponho que tenha a ver com o agradecimento pelas colheitas. E acho que aqui há algo a reter para além do conhecimento numérico deste texto, na medida em que o nosso culto a Deus deve ser contínuo e diário (coisa para a qual o A Sós com Deus será um auxiliar), mas que deve acumular com o agradecimento por eventos específicos (o que implica primeiramente reconhecer que eles aconteceram e assinalá-los).

É complicado. Parti tanta pedra por um texto da Bíblia porque estou de férias. Noutra altura, teria passado por cima dele sem ter retido nada, como se não o tivesse lido. Nisto, conhecimento prévio ajuda muito, e talvez tivesse poupado algum deste trabalho, e permitido ir mais directamente às conclusões que podemos tirar deste texto. Entretanto, o deserto não terminou, e esperam-me mais uns dias de travessia.

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