quinta-feira, 1 de agosto de 2019

O que tens feito com os teus poderes de vampiro?

Então, consumando o meu apetite renovado por anime, decidi rever o Hellsing. Hellsing não tem um grande enredo, mas terei sempre simpatia por Alucard, o personagem central. Alucard está para o enredo assim, como Aslan está para as Crónicas de Nárnia; é o personagem central, mas não necessariamente aquele com quem passamos mais tempo, ou a quem temos mais acesso interno. Apenas podemos supor o seu interior através das suas acções e diálogos. Seras Victoria é a personagem que cumpre a função de Lucy Pevensie.



O que gosto tanto na personagem de Alucard? Os juízos morais que tece enquanto defronta os seus adversários. Ele é um vampiro encarregado de executar outros vampiros. Quandos os encontra, o questionamento começa: “mostra-me o que vales”, “vais ser um adversário desafiante?”, mas acima de tudo “mostra-me o que tens feito com os teus poderes de vampiro?”. Sim, ele está interessado em saber se foram usados para satisfazer os prazeres imediatos, ou para entrar em jogos de poder e influência, ou outras coisas que na sua óptica são inúteis; ou se em vez disso, foram desenvolvidos, investigados, priorizados, com o propósito de ser mais forte e capaz. A resposta é quase sempre a desilusão e rejeição, proporcional à facilidade com que os derrota.

Este pedir de contas por algo que nos foi entregue faz com que não ache assim tão rebuscado evocar a Parábola dos Talentos para comparar a esta sangrenta série de vampiros. É cristão, e especificamente protestante, perguntar “o que tens feito com aquilo que recebeste”, e totalmente diferente da mundana pergunta “o que tens ganho com aquilo que fizeste”.

Não que isto tenha muito a ver, é apenas uma coincidência, mas Alucard trabalha para a “Ordem Real dos Cavaleiros Protestantes”, e um dos seus maiores adversários pertence a uma ordem secreta do Vaticano. De certeza que o autor da série estava muito mais preocupado com tiros e sangue do que qualquer reflexão teológica.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Até a ecologia pode ser dividida em duas

Como é que as pessoas se posicionam em termos ecológicos? Conservadores ou progressistas? Dir-me-ão "as coisas não podem ser vistas dessa maneira". Será que não?
Claramente hoje em dia há uma maioria conservadora, que quer manter o planeta como está, ou se possível, recuperá-lo para o que já foi. Tem ênfase nas causas do dano ecológico e em como cancelá-las, regra geral através de formas de austeridade energética e racionamento dos recursos. Pode ser descrita pelo cartaz do Bloco de Esquerda, " Não há planeta B".
E como será um progressivismo ecológico? Acho que será mais focado no combate aos sintomas, depois de considerar que ir às causas é uma luta inútil. Mais virado para inventar bactérias capazes de digerir plástico do que para reduzir a sua utilização; ou porque não inventar máquinas recicladoras de CO2 do que reduzir emissões ou reflorestar. Este lado mais progressivo espreita de vez em quando no espaço mediático, sempre sem dar a entender que trava uma luta diferente dos conservadores ambientais. Por vezes, espreita até exibindo a sua visão final para a ecologia do planeta Terra, verbalizada, por exemplo, pelo Stephen Hawking, uma visão em que este planeta é ele mesmo uma causa perdida e devem-se canalizar recursos na descoberta e colonização do planeta seguinte. Subvertendo o cartaz do BE, "vamos ter de arranjar um planeta B".
Como tantas coisas que dividem o mundo em dois, estou certo que também neste tema teremos tendência a cair para um dos lados, por mais que achemos que ambas as inclinações têm aspectos válidos e úteis. Eu claramente caio para o lado conservador, embora sim, pense que devem ser canalizados recursos tanto a combater as causas como os sintomas da crise ecológica contemporânea.

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domingo, 7 de julho de 2019

Cultural Learnings for Make Benefit Glorious Cause of LGBT

Esta parece ser uma altura tão boa para dizer disparates como outra qualquer.

Um dos aspectos positivos de iniciativas como a do Orgulho Gay, que teve lugar na semana passada, é que nos deixam a pensar nestas coisas. Pelo que quero deixar três sugestões aos apoiantes desta causa nobre - aristocrática mesmo - que sem dúvida ajudarão à prossecução das suas metas, rumo ao objectivo final.

A ideia das passadeiras coloridas deixa-me mais dúvidas do que certezas. Eu não desejaria ver as cores da minha causa sujeitas a serem espezinhadas a toda a hora, da mesma maneira que não desejaria que houvesse papel higiénico timbrado com o símbolo do Benfica. Aliás, pela mesma ordem de razões, desejaria que houvesse papel higiénico timbrado com os símbolos do Porto e do Sporting, mas possivelmente a única marca com vontade de comercializar tal produto seria o Benfica, o que muito provavelmente daria origem a uma litigância de copyright de proporções bíblicas, condenada a arrastar-se nos tribunais por longos anos, a julgar pelo estado da Justiça em Portugal.
Este é um país em que a ideia das passadeiras coloridas poderá fazer algum sentido, dada a nossa aversão civilizacional, enquanto peões, a atravessar as estradas nos locais indicados, mas não vamos esquecer que o país está a abarrotar de turistas estrangeiros, muitos deles provenientes de países de tradição protestante, cumpridores da lei e cheios de civismo, e sim, prontos a espezinhar os símbolos LGBT pintados no asfalto. Pá, a não ser que o sado-masoquismo seja uma das orientações incluídas movimento, não se sujeitem a isto.

Tenho outra ideia bastante boa que seria estender a lógica do movimento de apoio ao Charlie Hebdo à causa LGBTQ. Adalberto Campos Fernandes já mostrou como se faz: "je suis Centeno", "somos todos Centeno". Desafio todos, no próximo Dia do Orgulho Gay, a usarem t-shirts com a frase "je suis gay", "je suis lésbica", "je suis bissexual", etc, percorrendo todas as letras da sigla. Em português, à maneira de Adalberto, também pode ser: "somos todos gays ". Que forma mais inequívoca de apoio poderá existir?

Por fim, tenho outra ideia que, pelo seu simbolismo, talvez seja a melhor das três. No Dia do Orgulho Gay do ano que vem, vamos todos substituir a palavra "etcetera" - "ETC." na sua forma abreviada - por LGBT, tanto no discurso escrito como falado. Por exemplo, "o João foi ao supermercado, à secção da frutaria, de onde trouxe vários artigos; trouxe maçãs, laranjas, pêssegos, pêras, LGBT". É uma boa forma de reflectir numa palavra de uso quotidiano relacionada com a ideia de diversidade, a diversidade de orientações e sensibilidades incluídas na causa LGBT.
De resto, estamos a falar de uma causa que sempre contou com o apoio incondicional do Bloco de Esquerda, um partido que não hesita em alegremente tentar fazer a governação chegar à esfera do discurso, como se em 1948, não tivesse sido escrito um livro chamado 1984, a falar precisamente deste assunto. Eles adorariam esta ideia. O importante é que as pessoas pensem nas coisas pela própria cabeça. Eu já o fiz. E você?

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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Ir ver o mar, por Vergílio Ferreira

Tenho mantido na mesa de cabeceira um livro do Vergílio Ferreira que leio estritamente por necessidades soporíferas: já não consigo dormir sem ler alguma coisa antes. Cada um é como cada qual. Quando ao livro, acho-o miserável e se aquilo é filosofar ou sequer "pensar", então, de facto, a filosofia não é necessária (eu sei que é, eu sei que é). Já citei no Facebook alguns trechos, só pela curiosidade de conhecer pensamentos formulados antes de 1992.
Mas encontrei oásis naquele deserto. Neste ponto da leitura, pelo menos dois parágrafos - bastantes bons, acho eu - sobre o ritual de "ir ver mar", essa prática tão intrínseca às povoações vizinhas do Atlântico. Se formos ao farol de São Pedro de Moel e virmos uma quantidade anormal de carros para aquela altura do Inverno, sabemos que está tudo para o mesmo. Estamos a praticar o ritual. Fomos ver o mar. É das coisas menos mundanas que aquelas pessoas farão em toda a sua semana. Mesmo que simplesmente adormeçam no carro, não é que estejam a satisfazer a necessidade fisiológica só que num quarto diferente. Temos de assemelhar esse repouso, quando muito, a qualquer coisa como um crente que adormece durante a pregação, porque não quis contestar nada ou desconfiar, porque nada o distraiu e prendeu a atenção, e como tal, porque tudo estava, enfim, bem, sentiu conforto e deixou-se dormir.

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terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Dos andaimes à terra

Quando a leitura bíblica é Cantares de Salomão, não dá, o trolha que vive em mim vem ao de cima e torna-se a matriz pela qual interpreto aquelas "imagens poéticas" tão abundantes - no pun intended - relativas ao amado e à amada. Tão abundantes e tão ordinárias, quero dizer. Não vou concretizar porque há muitos menores e muitos maiores nesta rede social a esta hora da noite nesta altura do ano. Podem dizer que o mal está na minha imaginação, que é dos anos a trabalhar em fábricas, ou de ter frequentado um curso com noventa e nove por cento de rapazes, mas não ser esqueçam que sobre Salomão recaiu a responsabilidade de construir o templo. Construir. Coisa que não se faz sem uma boa dose de operários da construção civil, possivelmente com andaimes à mistura, de onde talvez mandassem cá para baixo "imagens poéticas" às raparigas de passagem. Acresce que, naquela altura, o Bloco de Esquerda ainda não tinha chegado ao poder para criminalizar os piropos. Talvez com estes dados consigamos chegar à mente do autor da obra.
Só para desenvolver mais um bocadinho o raciocínio, David, o pai de Salomão, desde logo mostrou não ser apto para a tarefa de construir o templo, porque no que toca a apreciar as raparigas de lugares altos, claramente não soube traçar uma linha do aceitável no caso de Bateseba. Se da varanda da própria casa já foi como foi, não queremos imaginar o rei David nos andaimes com os outros pedreiros. Quem é que o parava, e em que ponto? Pelo que julgo que, apesar de tudo, a tarefa ficou melhor entregue a Salomão.

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