quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Passa-se a roupa a ferro a ouvir os instrumentistas



A técnica inteiramente ao serviço da melodia, como deve ser. Essa é a assinatura da qualidade de um músico.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

P's

Tenho feito umas tentativas de ir correr antes do trabalho, para melhorar a qualidade da minha saúde, porque sou tendencialmente muito sedentário.
Ao sair de casa pela manhã, ainda de noite, não tenho qualquer expectativa de desfrutar da frescura da manhã. O ar cheira mal pela manhã. A Marinha Grande é uma cidade industrial cinzenta de pessoas cansadas por fazer muitas horas extraordinárias. As traseiras do meu prédio são assombradas pelo ruídos de milhões de garrafas partidas a deslizar de um lado para o outro na Barbosa e Almeida (esta paisagem dominada por uma fábrica faz lembrar o animé Furi Kuri com a sua grande fábrica em forma de ferro de engomar, quem viu sabe do que falo).
Mas esta cidade é abençoada pela proximidade de São Pedro de Moel, das Paredes, da Polvoeira, da Ponte Nova e do pinhal, e por isso, a vida aqui é suportável.
Quando regresso da corrida de vinte minutos, dorido das pernas e ofegante, passo ironicamente perto do pavilhão da escola Nery Capucho onde ia aos treinos de andebol, onde fazíamos os "circuitos de potência", com sprints, saltos, trampolins, flexões, abdominais e dorsais, bolas medicinais e etc. Se com dezasseis anos, um túnel que atravessasse o espaço-tempo junto ao portão da escola e deixasse espreitar-me quinze anos para o futuro, onde se veria o meu eu-presente estafado por vinte minutos de corrida, pareceria um futuro demasiado improvável, e não apenas mau, mas desprezível. Sim, era jovem com opiniões impetuosas, mas não deixava de ter uma certa razão.

sábado, 24 de outubro de 2015

Língua estranha

Dois mil e quinze é o ano em que David Fonseca e Luis Nunes (o antigo Walter Benjamin, que agora responde por Benjamim) viraram-se para o português. Não olho para isto com cinismo, como se encontrasse uma mudança na tática comercial ou uma adesão à moda. Parece-me mais como uma desistência, ou até uma conversão, a uma realidade que era forte demais para ser ignorada: um cantor tem de cantar alguma coisa na sua língua materna se quer cantar com alguma sinceridade - embora perceba a força de querer cantar na mesma língua dos cantores que mais influenciam.
Muito provavelmente, esta será só uma fase passageira, mas vejo-a com agrado, porque o talento de ambos os artistas também é uma realidade demasiado forte para ser ignorada, pelo que o seu português merecia uma oportunidade. Tanto um como o outro ainda não parecem inteiramente à vontade com esta língua estranha, mas estou certo de que vão melhorar.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O presente d'O Regresso ao Futuro

O que há a assinalar no presente de O Regresso ao Futuro é que vivemos a época em que ninguém quer saber o futuro. Ninguém o anseia, nem muito menos o antevê com optimismo, ou pelo menos, com um optimismo irrealista. Juntar os dados actuais leva-nos a concluir que o futuro acabará por tomar um aspecto pos-apocalíptico, se não apocalíptico mesmo. Os programas de divulgação tecnológica e cientifica, como o Para Além do Ano 2000, emagreceram imenso, e quando vemos a rubrica O Futuro Hoje - agora que já lá chegámos - é impossível que a maioria das pessoas que pensam com a própria cabeça não encare aquelas engenhocas com mais apreensão do que fascínio; adquirimos filtros mentais anti-fascínio, porque a isso fomos forçados.
Aproveitar o presente é o que está a dar; o passado é o único lugar que parece seguro; sabemos que o futuro não promete.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Passa-se a roupa a ferro a ouvir os instrumentistas



Norberto Lobo merece um lugar mais visível na rádio portuguesa.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Fim de licenciatura

Com este fim-de-semana passado na Igreja da Lapa, penso que terminei a minha licenciatura em Tiago Cavaco. Conheci-o enquanto músico, blogger, assinante Facebook, em pessoa, por mail, como campista, em entrevista por escrito, na rádio e na televisão, enquanto pregador convidado e pregador na sua igreja. Sempre achei que tinha de estar atento para o perceber, que isso era e é importante, já que ele dita muitas das tendências entre os evangélicos. Ouvi falar dele pela primeira vez enquanto pessoa ilustre quando ei tinha uns oito ou nove anos, num domingo à tarde em que os jovens da minha igreja pediram emprestados aos meus pais sala e leitor de vídeo para ver uma espécie de documentário sobre os H+Pos (não faço ideia de como se escreve), banda onde ele era baixista.
Ao longo dos anos, entusiasmei-me com ele quando comecei a ler o Voz do Deserto e a ouvir as suas músicas. Mostrei a outras pessoas, cristãos ou não, e comentei ideias dele ou introduzi-as como assunto de conversa. Há uns dez anos atrás, recebi avisos acerca dele,  de pessoas tais como os meus pais ou o pastor da minha igreja. Defendi-o várias vezes de outros que o atacavam por preguiça intelectual, por estranheza ou por se sentirem de alguma forma ameaçados, criticados ou inferiorizados. Hoje, julgo que quase todos os atrás referidos são amigos, admiradores à distância ou fortemente influenciados por ele. Isto seria muito mais picante com nomes, mas posso pelo menos fazer a estatística e perceber que duas mãos cheias de dedos não chegariam para os contar. Houve momentos de consagração essenciais, em certas entrevistas, ou ao receber a colaboração de certas pessoas, que quebraram as barreiras dos mais cépticos à sua aceitação.
Entretanto comecei eu próprio a deixar de lhe achar muita graça. Começou a haver mais coisas em jogo, sobretudo desde que se tornou pastor. Medir o peso dessas coisas tornou-se essencial. Hoje, tudo o que o rodeia parece uma grande brincadeira infantil que nunca mais acaba. Julgo que muito do crédito que as pessoas mais velhas lhe dão, vem de acharem que naturalmente ele é uma pessoa divertida e surpreendente, mas quando entra em acção no ministério pastoral a coisa muda, e então é a sério. Mas não muda. A tal brincadeira persiste e permeia lugares que muitos julgariam sagrados e intocáveis pela irreverência, como o louvor, a pregação ou até a oração.
Enquanto evangélico baptista, terei de me habituar a explicar às pessoas, sempre que me for solicitado, que concordando com alguns aspectos pontuais e dispersos, raramente me identifico com o que é dito nas suas aparições na imprensa. Não seria ele que eu escolheria para me representar. E que como tal, é especialmente irritante ouvi-lo a falar em nome do colectivo. "Nós" isto, "nós" aquilo - em rigor, "nós" o tanas, sobretudo se se escudar nisso para dar força às suas opiniões mais pessoais. Lembro de lhe encontrar este tique desde que lia os Animais Evangélicos, e é um atributo que parece ter permanecido até aos dias de hoje.
Penso que a sua personalidade estabilizou e que já não há motivo para um acompanhamento contínuo, sobretudo através do blog. Sinto que sei quem ele é, de onde veio e para onde vai. Pelo menos para já, quando o ouço ou leio, julgo saber onde quer chegar.
Isto é bom para ele, porque vou ter uma atitude mais limpa quando confrontado com a sua obra. Por exemplo, o que li do livro sobre casamento estava sempre a ser comparado com as memórias mais frescas que tinha do blog, não dando oportunidade ao próprio livro de receber uma crítica justa -  se é bom ou mau, bem ou mal escrito, relevante ou irrelevante, edificante ou destrutivo. Como se fosse um estrangeiro acabado de chegar ao país.
Enquanto cristão, claro que isto é-me difícil. Faço conta de me cruzar com ele em pessoa mais umas quantas vezes ao longo da vida. Também faço conta de ser simpático - aliás, como ele tem sido sempre comigo. Não faço conta de lhe fazer uma crítica ao trabalho, porque não tem nada que aturar críticas de pessoas distantes dele e do seu trabalho - mesmo que os cristãos tenham autoridade uns sobre os outros para tal intervenção. Mas desejo-lhe que ouça a crítica das pessoas próximas. E depois disto tudo, desejo não ser hipócrita.
Sei que temos uma crença em Cristo uniforme o suficiente para nos chamar-mos irmãos, e tenho de deixar que isso prevaleça como sendo de primeira importância sobre as coisas restantes. E não tenho intenções de condescender com as críticas que fiz neste texto, entre outras. Penso que será por aí. Licenciatura terminada.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Livre como um passarinho

Encontro graça no dizer "livre como um passarinho", como alguém que não sabe nem se lembrou de alguma vez procurar saber de onde vem, ou como deve ser preservada. Tem outras coisas em que pensar, mais importantes para a sua subsistência ou felicidade - tornam-se sinónimos - imediata. Na maior parte das vezes são cem por cento exactos na forma como se auto-elogiam.
Ou seja, estou a falar de "liberdade" e de ser-se "passarinho".

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Uma temporada, dez episódios



Sou bem capaz de vir a acompanhar esta série, enquanto suspiro por um outro tempo, com outra forma de pensar, que cada vez parece mais improvável que tenha sido real, cujos ecos são presa fácil dos soundbites que nos determinam.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A partir de certa altura, a música mudou

A partir de certa altura, a música mudou. O que se ouvia quando eu andava na escola secundária eram coisas como Limp Bizkit, Papa Roach, Slipknot, Linkin Park, Incubus, Staind, etc, etc. Havia uma formula repetitiva e segura. Tinha ser pesado, gritado, tinha de ter asneiras, de apelar à desobediência em si mesma, tinha de falar de relacionamentos clinicamente disfuncionais (frequentemente, através da terminologia dos anjos e demónios), tinha de mostrar muita raiva para só depois mostrar que também tinha outros sentimentos. Através desta matriz simples, sabia-se o que era "bom". Pessoalmente, raras vezes gostava, e muitas vezes dava ares de esquisito ou selectivo à custa disso, mas era como se soubesse que a música podia ser muito melhor do que aquilo, mesmo sem ter grandes contra-exemplos para apresentar.

Havia ainda o domínio insuportável do hip hop comercial. Quando fui à viagem e finalistas a Lloret del Mar, julgo que ouvi mais de cem vezes In da Club, do 50 Cent.

Eu fui para a universidade em dois mil e três, e isso coincidiu com a tal mudança da música. Os vídeos mudaram, a sonoridade mudou, a roupa mudou, a figura do DJ deixou de existir nas bandas. Os assuntos das músicas mudaram radicalmente. Não só mudaram radicalmente, como o que estava para trás foi rejeitado como sendo "de mau gosto". Figuras públicas fizeram declarações a enxovalhar os Limp Bizkit, como Courtney Love (viúva do Curt Cobain que Fred Durst tem tatuado no peito) , ou baixista dos Rage Against the Machine (que seria uma das principais inspirações da banda).
Este vídeclip há-de permanecer como o registo histórico da perplexidade da fase anterior. Para perceber o sketch inicial, deve-se recorrer ao vídeo de Someday, dos Strokes.

Entretanto, é como se esta mudança tivesse deixado uma geração (a da minha idade) musicalmente orfã. Alguns ainda gostam de ir aos festivais assistir à sua "velha guarda", incapazes de gostar, no entanto, de toda a música feita depois de 2003 por essas mesmas bandas. Outros, cortaram por completo e são incapazes de elogiar aquela música enquanto música, podendo no entanto elogiá-la enquanto banda sonora da sua adolescência (da mesma maneira que olham com saudosismo para outros disparates que possam ter feito).