domingo, 21 de janeiro de 2018

Porque é que a pregação estava errada - 2018-01-21

Na parede estava projectado "Deus omnisciente". Abrimos no Salmo 139, para ler a primeira metade, até ao versículo 12. Segue-se uma curta explicação do Pastor, qualquer coisa como que como Deus sabe todas as coisas, é como se estivesse em todo o lado. E assim sendo, prosseguiu enumerando uma série de atributos de Deus, deste texto e de outros que foram mencionados, que remetiam sempre para a omnipresença, e não a omnisciência, de Deus. Mas claro, atributos esses que foram equiparados logo no início. Essa foi a premissa que daria algum sentido ao que se passou.

Pode ter sido um teste à atenção das pessoas, a ver se no fim do culto, alguém ia queixar-se ao Pastor. Pior, pode ter sido que a pregação tenha sido prepararada a pensar em "omnipresença", mas por lapso, no powerpoint, ficou escrito "Deus omnisciente" em vez de "Deus omnipresente", e isso foi corrigido, não com uma confissão do lapso, mas com uma consideração teológica de alto nível. É semelhante ao que George Bush, numa entrevista acerca da estratégia para o Afeganistão, dizia ser usar misseis de milhões de dólares para acertar em camelos. Equiparar omnipresença com omnisciência para disfarçar um erro de escrita no powerpoint é equiparável a esta consideração de Bush.

Mas vou assumir que foi movido por convicção que o Pastor da minha igreja orientou a pregação neste sentido: pregar sobre a omnisciência de Deus, equiparando-a à Sua omnipresença, e usando como texto bíblico base Salmos 139:1-12, para vincar que Deus está connosco em todos os momentos e lugares (sobretudo dos versículo 7 a 12). Nesse caso, acho que foi um desperdício ter lido apenas o início, porque o texto tem as suas próprias intenções e ênfases, e são melhor percebidas lendo-o até ao fim. Consigo identificar umas quantas, que vou enumerar de seguida. Quase todas elas apontam para o Deus pessoal e que se relaciona connosco. E para além disso, não menos importante, aproximam-se mais da ideia básica e da ortodoxia cristã que defende que Deus tem três atributos, de omnisciência, omnipresença e omnipotência, que são distintos entre si, apontam para direcções diferentes. Estas descrições dos atributos de Deus são úteis para enriquecer a nossa compreensão Dele; pessoalmente, julgo que misturá-los obscurece a nossa compreensão, e potencialmente, pode contribuir para iniciar as pessoas no processo de pensar que Deus "é tudo", coisa que já não faz parte da ortodoxia cristã, mas sim de outras ortodoxias.

Sobre a omnisciência de Deus, pegando no texto da pregação e alargando-o a todo o capítulo 139, encontro as seguintes ênfases.

1. Deus conhece a nossa história pessoal. De onde viémos e para onde vamos. Conhece os acontecimentos marcantes da nossa vida. Acontecimentos que podem ter sido causa de outros acontecimentos, e ter tido efeitos sobre nós, sobre a nossa personalidade e a nossa compreensão das coisas. Se alguém acha que teve uma infância difícil, Deus sabe isso. Se houve um episódio traumático, Deus sabe isso. Se cometemos erros, Deus sabe isso. Se o servimos bem, Deus sabe isso. Deus compreende-nos também desta maneira.

2. Deus conhece o nosso interior, o que suponho que inclua pensamentos, intenções, raciocínios. Sei lá, o nosso mundo interior é vasto. As implicações disto são tantas. Por exemplo, que podemos enganar toda a gente com as nossas máscaras sociais, mas Deus não vai nessa. Que podemos prestar contas às pessoas pelas mentiras que dizemos, mas Deus conhece até as mentiras que impomos as nós mesmos. Que podemos ser hipócritas com pessoas, mas não com Deus – do seu ponto vista, as nossas segundas intenções aparecem em primeiro. Deus sabe quando nos esforçamos. Deus sabes quando não quisemos ofender alguém. Deus conhece as nossas preocupações e tristezas.

3. Qual é a nossa reacção a esta "ausência de privacidade"? Conforto ou desconforto? Parece-nos desejável ou indesejável? Para um ateu típico, é frequente comparar a descrição de Deus à de um estado totalitário, com direitos abusivos e perversos sobre os seus súbditos. Chegam a descrever Deus como um voyeur. No caso do salmista, ele pede a Deus que exerça este atributo sobre ele: "sonda-me , ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me, e conhece os meus pensamentos".

4. Deus sabe tudo o que acontece. Isto quer dizer que mesmo que aconteça no desconhecimento de todos, a injustiça continua a ser igualmente injusta aos olhos de Deus, e é n'Ele que o salmista espera por justiça. Mesmo que as transgressões sejam aparentemente coisas inofensivas para as pessoas (falar mal de Deus, usar o seu nome em vão) não são menos injustas por isso, e não deixam de ser contadas como tal.

5. Uma possibilidade de aplicação seria na linha de: Como é que nos vamos dar a conhecer aos outros. Da forma que Deus nos conhece, ou enfeitados com as máscaras através das quais Deus passa através sem esforço? Porque é que as usamos? Quais usamos?

No tempo de louvor, leu-se uma parte do Salmo 51, e a minha atenção desviou-se para o v.6, porque estava sublinhado.

"Eis que amas a verdade no íntimo e no oculto me fazes conhecer a sabedoria".

Teria sido um bom versículo para encerrar uma pregação sobre a omnisciência de Deus.

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