sábado, 13 de janeiro de 2018

God... Fuck...



Quando fizeram este filme, suponho que tenham decidido na sua preparação que o seu único personagem não seria pessoa de falar sozinho. É impossível não reconhecer que, nas desventuras deste enredo, eu enquanto eu mesmo teria falado muito, mas muito mesmo, quer estivesse sozinho ou acompanhado, ou até mais se sozinho do que acompanhado. Eu fico muitas vezes a trabalhar depois da hora, sozinho, e qualquer câmara de vigilância confirmaria o que digo.
Mas o personagem do filme é calado, e o espectador fica em suspenso: qual é o azar que vai obrigar o homem a suspirar umas palavritas. Os próprios argumentistas deverão ter pensado nisto. O que é o que o vai fazer falar, e nesse momento, o que é que ele vai dizer?
Por fim, o azar de tal dimensão acontece, em parte por distracção. E ele lamenta: God... Fuck (Deus... foda-se).
Eu acho que foram palavras bem escolhidas, na medida em que representam duas opções sempre presentes na angústia. Quando se está em situações limite, em que não se sabe para onde nem para quem virar - quando tudo está perdido - duas possibilidade acabarão por se apresentar como solução: o Bem, a elevação, a inteligência, o amor, Deus, ou o Mal, a escuridão, a brutalidade, o medo, o Diabo. Pode assumir muitas formas, mas pelo menos eu, e sobretudo no trabalho, que tem sido muito dominante sobre mim nos últimos anos, sinto que tenho que dar a volta por cima, ou dar a volta por baixo. Já o fiz das duas maneiras, mantendo sempre que o Bem é preferível ao Mal, e que a opção pelo Mal não deve ser encarada nem como uma nova versão do Bem, nem como uma alternativa de igual valor, mas como um Mal necessário, dadas as opções em dado momento.
Porque tenho consciência disto, naturalmente perdi bastante triunfalismo na minha fé cristã. Eu afirmá-la-ia triunfalmente se tivesse uma experiência continuada de opção pelo Bem como resposta aos problemas com que me tivesse deparado. Mas não sucedeu assim.
Por outro lado, o que ainda dá sentido a isto tudo é que aquilo a que tradicionalmente designamos Bem ou Mal, seguramente não o serão aos olhos de Deus, que são os olhos que importam. O caso mais óbvio é o da ira, que até figura na lista dos sete pecados mortais (que enquanto evangélico, desvalorizo e rejeito sem meias medidas) e que como tal, descreveria a purificação do Templo que Jesus fez como um acto pecaminoso. No entanto é só um comportamento natural do mesmo indivíduo que antes tinha dito "bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça".
E sim, quando protesto sozinho no trabalho já muito para além da hora de saída contra todos aqueles azares, problemas e descoordenações, também são essas a palavras que mais suspiro - God, fuck. Só que em português, claro.

Sem comentários:

Enviar um comentário