sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Blade Runner, distopias, maus sonhos


Esta semana vi pela primeira vez o Blade Runner, e dá para dizer qualquer coisa sobre a experiência de o ver. Já tinha visto umas quantas distopias futuristas, fossem filmes ou animes, e boa parte deles tinham elementos em comum, tão repetitivos que uma pessoa só podia pensar que vinham de uma origem em comum, ou que apontavam para um futuro em comum. Ou ambos (embora a segunda possibilidade perca força estatística se a primeira se verificar). Uma ideia central pairava por aí, à qual os argumentistas tinham aparentes dificuldades em fugir, pegando mais numa ponta, ou mais noutra, mas nunca separando do núcleo da ideia, que julgo - isto parece ser consensual - que terá a ver com a relação entre homem e tecnologia, nomeadamente as fronteiras entre um e outro.
Quando vi aqueles cenários, aqueles temas, aquela sociedade, senti imediatamente que já conhecia aquilo de algum lado. Uma pesquisa rápida entre google e wikipédia confirma: várias dessas distopias foram primordialmente inspiradas por esta história (exemplo mais óbvio: Ghost In The Shell). Outras foram da autoria do mesmo autor, na verdade (por exemplo, Total Recall). E aparentemente, não há precursores do Blade Runner. Desta vez bebi directamente da fonte. É a isto que se chama "arquétipo", não é?

É engraçado que em certo sentido, parece uma encenação daquilo a que o C.S. Lewis chamava de "bons sonhos". As várias religiões dos mais variados lugares continham elementos, como por exemplo, um deus que morre e volta à vida, que seriam uma prefiguração do acontecimento real a acontecer no futuro - que Deus viria à Terra, morreria e ressuscitaria. Tinham saudades de um evento futuro. Quando o Lewis viu o Cristianismo, também lhe cheirou que já conhecia aquilo de algum lado, e que finalmente foi dar à origem. É só que essas religiões sonhariam com o futuro, enquanto que o exemplo de que falo, das distopias, evocaria o passado.

No entanto, eu acho que estas distopias não são só uma evocação do Blade Runner, mas bons palpites para o futuro - e como tal, chamemos-lhes "maus sonhos". O corpo de prova parece apontar para coisas desse género. A tecnologia tem sido sempre mais dominadora do que os seus utilizadores (chamemos-lhe os "utilizados"?), e há ainda grupos de pessoas que parecem gostar dessa ideia, empenhando energia e recursos impressionantes no objectivo de fazer a tecnologia avançar muito para além de qualquer necessidade a ser suprida, e intrometê-la nas esferas mais profundas e íntimas do ser humano. E são estas pessoas que lideram e conduzem o progresso tecnológico.

Pessoalmente, a distopia que considero mais provável será próxima do Matrix. Sim, acho que a coisa passará por ficarmos quietos, com as nossas consciências a existirem num mundo virtual. O software impor-se-á ao hardware. Quando fazia o programa Barnabé, do GBU, lembro-me de conversar com o Manuel Rainho sobre isto. Ele inclinava-se mais para o lado oposto, da biónica. Implantes e melhoramentos robóticos sucessivos, até que não se perceba onde é que a pessoa deixou de ser pessoa para passar a ser máquina. Na altura, a robótica ainda estava muito atrasada; hoje esse cenário já parece mais plausível, e já se fala muito em implantar membros robóticos, ou em usar exoesqueletos, já para não falar nos gadgets que podem ser controlados pelo pensamento, ou em "injectar" imagens directamente no cérebro. Mas ainda assim, eu fico na minha, e acredito que mais cedo ou mais tarde será normal que, em vez de apanhar um meio de transporte para ir para o trabalho, se faça uma ligação a um espaço virtual (com óculos, ou ligando directamente o cabo à espinha como no Matrix) que será o local virtual de trabalho. O trabalho, esse, continuará real. Cá estaremos para ver, e estou certo que os Marks Zuckerbergs deste mundo darão o seu melhor para que isso aconteça.

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